Tecnologia vestível assegura recuperação total de lesão de joelho

Lesões no joelho são comuns em atletas: os jogadores de futebol, por exemplo, frequentemente sofrem com a ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA). O problema, como verificado agora, é que a recuperação da cirurgia de reconstrução deste ligamento não depende somente de tempo, mas do restabelecimento da capacidade biomecânica (habilidade de suportar forças e cargas sem sofrer danos) do movimento. O achado, publicado em abril deste ano em artigo da Knee Surgery, Sports Traumatology,  Arthroscopy, vem de estudos do educador físico João Belleboni Marques realizados durante o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Segundo o orientador da pesquisa, o professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP Paulo Roberto Santiago, o ligamento cruzado anterior é uma estrutura essencial do joelho para a estabilidade, principalmente durante movimentos de giro e mudança de direção. A preocupação dos especialistas com a recuperação biomecânica desses movimentos se deve ao fato de que mudanças dessas estruturas podem causar lesões em outras, como os meniscos e a cartilagem.

Assim, os pesquisadores decidiram analisar a qualidade desses movimentos, o que só foi possível graças à tecnologia vestível, dispositivo capaz de rastrear frequência cardíaca, padrões de sono e atividade física. 

Entre os resultados,  os pesquisadores verificaram que o atleta com o LCA operado consegue executar movimento de mudança de direção em tempo similar ao atleta que nunca passou pelo problema, mas com déficits biomecânicos (limitações do movimento) e estratégias de movimentos compensatórios (ajustes ao realizar um padrão de movimento).

O achado, afirma o professor Santiago, traz mudança fundamental na análise da recuperação de um atleta com esse tipo de lesão, pois, “além do tempo de recuperação pós-cirúrgico, outros fatores como a avaliação biomecânica do movimento são igualmente ou mais importantes”.

Quanto ao uso da tecnologia vestível, o pesquisador acredita que os sensores e dispositivos acoplados ao corpo podem revolucionar os parâmetros de avaliação da saúde e do desempenho de atletas, já que conseguem “identificar padrões e tendências imperceptíveis ao olho humano, permitindo intervenções preventivas, antes que lesões ocorram”. 

Reaprendizagem motora eficiente para evitar lesões

A pesquisa contou com a participação 26 atletas profissionais de futebol masculino que atuam na Qatar Stars League, primeira divisão do futebol catari. Dez desses jogadores possuíam histórico de reconstrução cirúrgica do LCA, enquanto os outros 16 atletas não possuíam lesão nos membros inferiores no momento do estudo, e portanto, foram designados como grupo controle.

Para avaliar a qualidade do movimento de cada atleta foi solicitado que realizassem uma corrida de 20 metros e uma mudança abrupta de direção em 90°, ou seja, em “L”, utilizando trajes com sensores na pelve, laterais das coxas, canelas e no pé, apropriados para medir os ângulos de flexão das articulações do quadril, joelho e tornozelo. Além disso, os jogadores usaram palmilhas capazes de identificar a força vertical aplicada durante a atividade.

Com a experimentação, verificaram que a diferença na performance dos dois grupos de atletas não foi o tempo de execução do movimento e sim a mudança na angulação do tornozelo e do joelho, caracterizados como déficits biomecânicos, e na força aplicada nos membros inferiores daqueles que tinham o LCA operado.

O professor Santiago explica que a mecânica do movimento é fundamental para avaliar a recuperação de um atleta, que não deve ficar apenas na capacidade de realizar o exercício. “O verdadeiro desafio reside na capacidade do atleta de realizar uma reaprendizagem motora eficiente, adaptando-se à sua nova realidade estrutural.”

O risco dos déficits mecânicos observados nos atletas após a recuperação inicial e a cicatrização do tecido é que, em resposta, “o corpo desenvolve estratégias de movimento compensatório, ou seja, adaptações que permitem a continuidade funcional apesar das limitações”, afirma o pesquisador. A situação é problemática por aumentar a probabilidade de novas lesões, já que propiciam transferência de carga para o lado não lesionado, gerando maior estresse nas estruturas, exigem maior gasto energético, provocando fadiga precoce, além de reduzir a estabilização em movimentos rápidos e inesperados.

Fronteira da medicina esportiva e reabilitação

A tecnologia vestível funciona como uma ferramenta informativa, capaz de colher dados do indivíduo analisado. A possibilidade de uma análise mais precisa e completa do desempenho de um atleta “tem potencial para revolucionar a análise de performance esportiva, é substancial e já começa a se materializar”, afirma o professor.

Dispositivos de tecnologia vestível mais sofisticados são encontrados apenas em experimentação científica. “A transição destes recursos avançados do laboratório para a clínica representa uma das fronteiras mais promissoras na medicina esportiva moderna e ciências da reabilitação”, assegura Santiago.

Nesse contexto, as perspectivas de futuro são promissoras para a área. “A conexão entre tecnologia vestível e inteligência artificial é animadora, pois ilustra um sistema que não apenas coleta dados, mas os interpreta e fornece orientações práticas em tempo real”, finaliza Santiago.

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