Como o Butantan se tornou o maior produtor da vacina Influenza no Brasil e se prepara para pandemias

Como o Butantan se tornou o maior produtor da vacina Influenza no Brasil e se prepara para pandemias

Em produção pelo Instituto Butantan desde 2013, após transferência de tecnologia da farmacêutica francesa Sanofi, a vacina Influenza se tornou o carro-chefe e o maior objeto de estudo da instituição. Hoje, 90 milhões de doses são produzidas anualmente para atender à Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe. Para além da versão trivalente sazonal, o Butantan se dedica a estudar vacinas quadrivalentes, contra cepas pandêmicas da influenza e vacinas com adjuvantes, visando preparar o país para epidemias de gripe e desenvolver produtos cada vez mais eficientes.

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Tudo isso exige uma infraestrutura adequada para a realização de ensaios clínicos, etapa em que a segurança e eficácia dos produtos são avaliados em seres humanos. Este trabalho fica a cargo da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Butantan: dos mais de 30 estudos clínicos já coordenados pela área, 10 eram relacionados à influenza.

A experiência do Butantan com a vacina da gripe data de 1999, quando foi assinado o acordo de transferência tecnológica com a Sanofi, encabeçado pelo então diretor Isaias Raw. De alta complexidade, o processo foi feito por etapas e levou mais de 10 anos para ser concluído. O Butantan começou recebendo o imunizante pronto da Sanofi para inspecionar, fazer o controle de qualidade, rotular, embalar e entregar ao Ministério da Saúde. Com o passar dos anos, a instituição foi assumindo o envase, depois a formulação da vacina e, por fim, a produção dos três monovalentes em fábrica própria.

Vista aerea da fabrica da Influenza 2023
Vista aérea da fábrica da Influenza, 2023. Foto: Mateus Serrer

“Nos primeiros anos, o local de produção registrado era a fábrica da Sanofi, na França. Após a conclusão da transferência de tecnologia, a fábrica do Butantan recebeu a certificação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para começar a operar e produzir a vacina Influenza do começo ao fim”, afirma o gerente de Desenvolvimento e Inovação de Produtos do Butantan, Paulo Lee Ho, que acompanhou de perto esse processo.

Enquanto o Butantan desenvolvia seu processo produtivo, parte das vacinas fornecidas ao Ministério da Saúde eram produzidas no Brasil, e a outra parte na França. O Instituto começou fornecendo 6,3 milhões de doses em 2013; em apenas três anos, a produção aumentou mais de sete vezes, chegando a 46 milhões. Em 2023, o Butantan atingiu a capacidade produtiva necessária para fornecer 100% das doses da campanha – ou seja, 90 milhões de doses.

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“Foi se estabelecendo não só uma estrutura fabril, mas uma estrutura piloto e laboratorial, e isso gerou a incorporação das Boas Práticas de Laboratório, de Fabricação e Clínicas, conforme esses conceitos avançavam internacionalmente”, aponta a coordenadora de Redação Médica do Butantan, Maria da Graça Salomão, que participou dos estudos da Influenza.

Primeira entrega de doses da vacina Influenza em 2013
Primeira entrega de doses da vacina Influenza, em 2013. Foto: Comunicação Butantan

Como a vacina da Sanofi já havia passado com sucesso por ensaios clínicos de fase 1, 2 e 3, após completar a transferência de tecnologia e assumir sua fabricação, o Butantan conduziu estudos de fase 4, entre 2013 e 2015, por exigência da Anvisa. Os pesquisadores avaliaram a vacina em adultos saudáveis, idosos e pacientes receptores de transplante renal.

“Após esse período, houve um entendimento por parte da Anvisa de que não era necessário repetir os ensaios clínicos todo ano enquanto a população já era vacinada, e que a vigilância pós-comercialização era o melhor instrumento de avaliação de segurança das atualizações de cepas”, explica a gerente de Farmacovigilância do Butantan Maria Beatriz Lucchesi. A cada campanha, a vacina é atualizada com as cepas mais circulantes do vírus influenza, de acordo com diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Apesar dessa decisão, os estudos não pararam. Pelo contrário: à medida que se transformava no principal fornecedor da vacina da gripe no Brasil, o Butantan continuou investindo em outras pesquisas para aprimorar o imunizante, chegando a conquistar a pré-qualificação da OMS em 2021 e desenvolver vacinas contra cepas potencialmente pandêmicas. O Instituto também participou do combate à pandemia de H1N1, em 2009. 

Conheça mais sobre os desdobramentos dos estudos envolvendo a vacina Influenza no Instituto Butantan:

Frasco da vacina Influenza produzida no Instituto Butantan
Frasco da vacina Influenza produzida no Instituto Butantan. Foto: Renato Rodrigues

Pandemia de H1N1

Em 2009, o mundo enfrentou a pandemia de H1N1, doença que ficou conhecida como gripe suína e atingiu mais de 70 países. De acordo com a OMS, o surto começou com a propagação de um vírus influenza tipo A originado de uma cepa animal e não relacionado aos vírus H1N1 sazonais. No Brasil, o Butantan esteve à frente do combate à doença, produzindo a vacina com a cepa pandêmica – já como parte do processo de transferência tecnológica do imunizante da Sanofi. Em 2010, o PNI adquiriu 83 milhões de doses da vacina.

Na época, o Instituto investigou a segurança e a imunogenicidade da vacina H1N1 com diferentes adjuvantes (substâncias usadas para potencializar a resposta imune). Também foram feitos estudos para avaliar o imunizante em públicos vulneráveis, como pacientes com doenças crônicas, imunossuprimidos, idosos e gestantes – grupos que concentravam a maioria das mortes decorrentes da doença.

A vacinação ajudou a conter os casos de gripe suína e levou a OMS a decretar o fim da pandemia em agosto de 2010. No período da emergência sanitária, foram confirmados oficialmente 18.500 mortes por H1N1 no mundo, mas um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estima que podem ter ocorrido entre 151.700 e 575.400 óbitos. No Brasil, foram registrados quase 60 mil casos e mais de 2 mil mortes.

Processo de rotulagem da vacina da gripe
Processo de rotulagem da vacina da gripe. Foto: Renato Rodrigues

Reconhecimento da OMS

Em 2016, o Butantan submeteu um pedido à OMS para a inclusão da vacina Influenza em sua lista de imunizantes pré-qualificados. A organização solicitou um estudo de não inferioridade entre a versão do Butantan e a da Sanofi. Foram anos de trabalho da equipe de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância para atender às exigências do órgão e conquistar esse título internacional. A OMS aprovou a pré-qualificação do imunizante em 2021 – uma validação às boas práticas do Butantan em todos os processos envolvidos na fabricação do produto. 

“Três grandes áreas do Instituto trabalharam durante anos para aprimorar os processos de produção, a estrutura de farmacovigilância e a qualidade produtiva. Tivemos suporte de consultores internacionais para adequar todas essas áreas”, conta Maria Beatriz. “Também realizamos um estudo de farmacovigilância ativa para avaliar a segurança da vacina em idosos, crianças, profissionais da saúde, gestantes e puérperas.”

A inclusão da vacina Influenza na lista de pré-qualificação da OMS permitiu que o Butantan passasse a exportar o produto para países da América Latina, por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Entre 2022 e 2024, foram exportadas 14 milhões de doses para países como Colômbia, Bolívia, Uruguai, Cuba e Nicarágua.

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Vacina tetravalente

Com o objetivo de ampliar a proteção da população contra a gripe e potencializar a efetividade da vacina Influenza, o Butantan vem trabalhando no desenvolvimento de uma versão tetravalente, composta por duas cepas do vírus influenza tipo A (H1N1 e H3N2) e duas cepas tipo B (linhagens Victoria e Yamagata) – já que existe a possibilidade de duas cepas do tipo B cocircularem durante uma temporada de influenza. Normalmente, a trivalente é composta por somente uma cepa B e duas cepas A.

Por ser produzida da mesma forma que a Influenza trivalente, com acréscimo de um monovalente, a Anvisa autorizou que o estudo da vacina começasse direto pela fase 3 de ensaios clínicos, em uma avaliação de não inferioridade – ou seja, o imunizante candidato precisa se provar tão efetivo quanto a versão trivalente ou superior.

Todos os anos mais de 300 colaboradores atuam na formulacao envase rotulagem e acondicionamento da vacina Influenza do Butantan
Todos os anos, mais de 300 colaboradores atuam na formulação, envase, rotulagem e acondicionamento da vacina Influenza do Butantan. Foto: Renato Rodrigues

Preparação para futuras emergências

A decisão de construir uma fábrica dedicada à vacina da gripe foi estratégica para o Instituto Butantan – tanto para ajudar a controlar a doença no Brasil, como para auxiliar o país a combater epidemias e pandemias. Segundo Paulo Lee Ho, a estrutura pode ser adaptada facilmente para produzir outras cepas do vírus, de acordo com o surgimento de novas emergências.

Prova disso é que o Butantan vem se mobilizando para combater uma potencial pandemia de gripe aviária: em julho de 2025, o Instituto obteve a aprovação da Anvisa para iniciar o ensaio clínico de uma vacina humana contra a doença. O imunizante começou a ser desenvolvido em janeiro de 2023, diante da disseminação do vírus em aves e mamíferos selvagens de todo o mundo. Novas infecções em humanos começaram a ser registradas no ano passado, acendendo o alerta das autoridades. De 2003 a 2024, foram notificados 904 casos humanos de gripe aviária, com uma taxa de letalidade de 51%, segundo a OMS.

A candidata vacinal deverá passar pelas fases 1 e 2, que comprovam sua segurança e garantem que ela produz anticorpos. A partir daí, será mantida em lotes estratégicos para ser testada em fase 3, em caso de epidemia – é preciso ter o vírus circulando para avaliar sua eficácia. Isso significa que, se houver de fato uma emergência de gripe aviária no Brasil, o Instituto estará pronto para fornecer um imunizante.

Outra vacina com potencial pandêmico já desenvolvida e testada pelo Butantan é a da influenza H7N9, que passou por ensaio clínico de fase 1 entre 2017 e 2018. O produto foi formulado com um adjuvante produzido pela própria instituição, o IB160. Publicada na revista PLOS One, a pesquisa mostrou que o uso do adjuvante dobra o rendimento das doses, além de potencializar a resposta imune.

De acordo com a OMS, a história nos ensina que é uma questão de tempo até que uma nova emergência mundial aconteça. Por isso, em conjunto com a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI), a organização reforçou em agosto do ano passado o pedido de que cientistas e governos fortaleçam a pesquisa global para se preparar para a próxima pandemia.

Para Maria da Graça, essa preparação deve ser contínua, e lutar pela autossuficiência do Brasil no setor farmacêutico é essencial. “O Butantan tem tomado decisões em diversas frentes, como produção de células para servir de substrato para produção de antígenos, melhoria das fábricas e investimento em novas tecnologias, de modo que possamos ser autossuficientes. O grande gargalo das pandemias é o tempo: você deve conter o vírus o quanto antes.”

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