A Tragédia Oculta na Burocracia: A Batalha de 14 Famílias Pelo Direito à Energia Elétrica
A luz se tornou tão ubíqua em nossas vidas que raramente paramos para pensar nela como um direito. No entanto, para milhares de brasileiros que residem em áreas de assentamento, loteamentos informais ou com pendências fundiárias, o acesso à energia elétrica é uma batalha diária que se arrasta por anos, esbarrando na burocacia das grandes concessionárias.
A história das 14 famílias de Castilho (SP) se tornou um símbolo dessa luta. Há cinco anos, em uma área sob jurisdição do INCRA, essas pessoas têm sua dignidade negada por uma empresa gigante, a Neoenergia Elektro.
O cerne da injustiça é alarmante: a concessionária se recusa a instalar o serviço, alegando que a área é de Reserva Legal, mesmo diante de evidências que a Justiça considera irrefutáveis.
O caso foi parar no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e está sob a relatoria do Desembargador Sá Duarte, da 33ª Câmara de Direito Privado. Esta é a história de como a Justiça tem sido forçada a intervir para proteger o que é mais básico: a vida e a dignidade humana.
O Drama das 14 Famílias: O Rosto da Vulnerabilidade #Direito à Energia Elétrica
Para entender a dimensão da decisão judicial, é preciso ir além dos autos do processo. O grupo de 14 famílias não é apenas um número; é composto por moradores em situação de extrema vulnerabilidade:
- Idosos e Crianças: A ausência de luz impacta diretamente o conforto, a segurança e a capacidade de estudo.
- Cadeirantes e Acamados: A falta de energia impede o funcionamento de equipamentos médicos vitais (concentradores de oxigênio, ventiladores, bombas de infusão) e a refrigeração de medicamentos essenciais, transformando a recusa em uma ameaça direta à integridade física.
O Juiz de primeira instância, Mateus Moreira Siketo, agiu com a sensibilidade e a firmeza que o caso exigia. Na sentença, ele não apenas ordenou que a concessionária instalasse a energia em 60 dias úteis (sob pena de multa), mas também condenou a empresa a pagar R$ 5.000 em danos morais para cada pessoa envolvida. O valor da indenização reflete o entendimento de que a recusa, diante de tamanha vulnerabilidade, constitui uma ofensa gravíssima e intencional à dignidade.
Apesar da clareza da decisão, a Neoenergia Elektro optou pela tática jurídica de protelação, levando o caso à segunda instância.
A Falha do Escudo Burocrático: O Documento que Desmontou a Defesa da Empresa
A principal tese da concessionária é que a área, sendo de Reserva Legal e sob responsabilidade do INCRA, exige autorização explícita do CETESB (órgão ambiental) ou do próprio INCRA. A empresa usa essa exigência burocrática como um “escudo” para evitar futuros problemas com órgãos de fiscalização.
Contudo, a defesa das famílias apresentou uma prova que tornou a alegação da concessionária insustentável:
O ofício do INCRA: O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária se manifestou diretamente à Justiça, informando que não há impedimento para a instalação do serviço essencial de energia nas moradias.
Com esse documento, a Neoenergia Elektro se viu duplamente condenada:
- Pela Justiça: Por negar o serviço e gerar danos morais.
- Pelo próprio INCRA: Por insistir em uma burocracia que a entidade responsável já havia dispensado.
A insistência da empresa, nesse cenário, é vista pela Justiça como um abuso de direito e uma atitude desumana, pois ela continua brigando em segunda instância, sabendo que as famílias correm risco de vida.

O Direito à Dignidade no TJSP: A Perspectiva do Relator Sá Duarte
O recurso da concessionária será analisado pelo Desembargador Sá Duarte, que integra a 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP. Sua decisão, e a do colegiado, será um marco para milhares de casos semelhantes.
A Jurisprudência do Serviço Essencial
A 33ª Câmara de Direito Privado, em seus precedentes (incluindo votos do próprio Sá Duarte), já demonstrou ter um posicionamento firme em dois pilares:
- Responsabilidade Objetiva: A concessionária é responsável pela falha no serviço sob o princípio do “risco da atividade”. Ou seja, a empresa deve garantir o fornecimento regular e seguro, e qualquer interrupção (mesmo por causas naturais, como chuva) configura falha e gera dever de indenizar.
- Essencialidade: O fornecimento de energia é visto como um serviço essencial. Em casos de vulnerabilidade (como a presença de doentes e idosos), essa essencialidade se eleva ao nível de direito fundamental à vida (Art. 5º da Constituição).
A Ponderação Constitucional
No julgamento, o Tribunal fará a chamada Ponderação de Interesses:
- Interesse da Concessionária: Proteção contra eventuais multas ambientais e redução de custos.
- Interesse das Famílias: O direito humano de usar equipamentos de suporte à vida e viver com dignidade.
A Constituição Federal (Art. 1º, III) eleva a Dignidade da Pessoa Humana a princípio fundamental. Diante da presença de enfermos e idosos, é extremamente provável que o TJSP mantenha a essência da decisão de primeira instância:
- Manutenção da Liminar de Instalação: A obrigação de ligar a energia será confirmada, pois o Tribunal não pode compactuar com o risco de morte.
- Manutenção da Condenação por Danos Morais: O valor (R$ 5.000 por pessoa) pode ser revisado para se adequar aos padrões da Câmara, mas a existência do dano moral será mantida e até reforçada, dado o caráter protelatório do recurso.
O Judiciário, neste caso, atua como o último bastião contra a frieza burocrática, garantindo que o direito à luz seja inegociável.
O Contexto Legal: O Direito à Água e Luz em Áreas Irregulares
A alegação de que a moradia é irregular para negar o serviço de água ou luz é a tática mais comum das concessionárias. No entanto, o arcabouço legal brasileiro protege o consumidor:
A Força do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
O Art. 22 do CDC estabelece que os fornecedores de serviços públicos essenciais são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
A responsabilidade das concessionárias, portanto, é objetiva – elas são responsáveis pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos na prestação do serviço, independentemente de culpa (Art. 14 do CDC).
O Papel do Poder Público vs. Concessionária
Existe uma clara separação de responsabilidades:
Responsabilidade | Quem a possui |
Regularização Fundiária e Ambiental | Prefeitura, INCRA, CETESB e órgãos ambientais. |
Fornecimento de Serviços Essenciais | Concessionárias (como a Neoenergia Elektro). |
A concessionária não é um órgão de fiscalização. Se um morador está em uma área irregular, cabe ao Poder Público notificar, multar ou promover a remoção, se for o caso. A empresa de energia não pode se negar a fornecer o serviço sob a alegação de que a moradia é irregular, especialmente quando a ocupação é consolidada.
Precedentes do próprio TJSP confirmam: a permanência do morador no local por tempo considerável, mesmo em área irregular, gera o direito ao fornecimento, pois o Poder Judiciário não pode esperar pela lenta regularização da área.
Guia Prático: 7 Passos para Lutar por Seu Direito à Energia e Água
Se você se encontra em uma situação de recusa ou corte indevido de serviços essenciais, use o caso das 14 famílias como incentivo e siga este guia para buscar seus direitos:
1. Reúna e Documente o Máximo de Provas
- Guarde todos os protocolos de solicitação do serviço e as datas das visitas dos técnicos.
- Documente a recusa por escrito (se a empresa enviou alguma correspondência).
- Obtenha laudos médicos, se houver idosos, crianças ou pessoas com deficiência que dependem do serviço para a saúde.
- Tire fotos da moradia para comprovar que se trata de uma ocupação consolidada e não de uma construção recente.
2. Esgote a Via Administrativa
- Faça uma reclamação formal na Agência Reguladora (ANEEL para energia, ARSESP ou a agência local para água).
- Registre a queixa no PROCON de sua cidade.
- Utilize o site Consumidor.gov.br. Esses registros servem como prova de que você tentou resolver o problema antes de acionar a Justiça.
3. Busque Ajuda Profissional Imediata
- Procure a Defensoria Pública do Estado (serviço gratuito) ou um advogado particular de sua confiança.
- O profissional pedirá a documentação e iniciará o processo judicial.
4. O Poder da Tutela de Urgência (Liminar)
- Se o fornecimento for negado ou cortado, seu advogado deve protocolar uma Ação de Obrigação de Fazer e pedir uma Tutela de Urgência (a famosa Liminar).
- A Liminar é um pedido urgente para que o juiz obrigue a concessionária a ligar a energia/água em poucos dias, sob pena de multa diária (astreintes), como aconteceu no caso de Castilho.
5. Fundamente no Direito à Dignidade
- O argumento central na ação judicial deve ser o Direito à Dignidade da Pessoa Humana e a Função Social da Propriedade/Serviço.
- Se você estiver em uma área do INCRA ou com pendência ambiental, o advogado deve argumentar que a concessionária não tem competência para fazer essa fiscalização.
6. Peça Danos Morais pela Falha Essencial
- Sempre peça a indenização por danos morais. A falha ou a recusa na prestação de um serviço essencial é considerada dano in re ipsa (o dano existe pela própria ocorrência do fato, sem precisar de prova extra).
- O Juiz tem o poder de arbitrar um valor que, além de reparar o dano, sirva como punição exemplar (caráter pedagógico) à empresa.
7. Monitore o Processo
- Acompanhe o andamento do processo na Justiça. Se a concessionária descumprir a Liminar, seu advogado deve pedir ao juiz a execução imediata da multa diária.
O Recado Final: A Justiça Está do Lado da Dignidade
O caso das 14 famílias de Castilho é um lembrete contundente: o direito humano não pode ser barrado por um formulário ou um parecer técnico.
Acompanharemos a decisão do Desembargador Sá Duarte no TJSP, que tem a oportunidade de enviar um sinal claro a todas as concessionárias do Brasil: a recusa de fornecer serviços essenciais a pessoas vulneráveis é uma ilegalidade que terá o mais alto custo.
Seja a voz de sua comunidade. Lute por seu direito à luz e à água, pois eles são a base inegociável da vida em sociedade.

Jornalista Responsável – Registro MTE nº 1134/MS
Editor do portal CastilhoSP.com.br
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