Fibromialgia pode ser equiparada à deficiência; especialista da USP explica o que pode mudar
Brasil deu um passo histórico ao aprimorar lei que estabelece tratamento da fibromialgia na rede pública de saúde. A Lei 15.176/25, que altera a Lei 14.705/23, aprimora as diretrizes para o atendimento de fibromialgia no Sistema Único de Saúde (SUS), instituindo um programa nacional de proteção aos direitos de pessoas com fibromialgia, síndrome da fadiga crônica e síndrome complexa de dor regional. Também garante aos portadores dessas doenças prioridade em serviços, adaptações no ambiente de trabalho, possibilidade de acesso a cotas em concursos públicos e até isenções fiscais. Mas, acima de tudo, traz à luz uma doença que afeta de 2% a 3% da população, de acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), e que, por anos, foi invisibilizada e tratada muitas vezes como “frescura”.
A lei não reconhece automaticamente a fibromialgia como deficiência, mas prevê a possibilidade dessa equiparação, a depender de avaliações. A fibromialgia é uma doença crônica caracterizada por dores difusas pelo corpo, fadiga persistente, sono não reparador e dificuldade de concentração e memória, sintomas muitas vezes chamados de “névoa mental”. Apesar de ser reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e ter código próprio na Classificação Internacional de Doenças (CID), que é M79.7, não existem exames de sangue ou de imagem capazes de diagnosticá-la.
“O principal desafio é justamente esse: não temos um exame laboratorial ou de imagem que comprove a fibromialgia. O diagnóstico é clínico, baseado na história e nos sintomas do paciente. Isso leva muitos a peregrinar por diversos especialistas, recebendo diagnósticos incorretos e sofrendo com atrasos no tratamento”, explica o médico reumatologista André Franco, do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo da USP (HCFMUSP).
Essa dificuldade foi vivida pela social media Emanuelle Ramos, diagnosticada em 2020, mas que convive com sintomas desde a adolescência. “Eu sempre dormi e acordei cansada, parecia que tinha passado um caminhão em cima de mim. Minhas dores eram constantes e, por não aparecerem em exames, os médicos não encontravam nada. Muita gente dizia que era preguiça ou coisa da minha cabeça. O reconhecimento da fibromialgia como deficiência é como um grito de respeito, uma forma de dizer: isso é real”, conta.
A invisibilidade social é uma das marcas mais dolorosas da doença. Emanuelle lembra do preconceito que enfrentou ao usar filas preferenciais ou pedir adaptações. “As pessoas olham torto, acham que a gente está se aproveitando. Não é porque algo não é visível que deixa de ser real. A lei, para mim, é fundamental porque dá respaldo. Ela obriga a sociedade a reconhecer que a fibromialgia existe, que limita e que precisamos de apoio”, afirma. A lei institui um programa nacional de proteção aos direitos de pessoas com fibromialgia, síndrome da fadiga crônica e síndrome complexa de dor regional.
Combate a estigma e dignidade a pacientes
Para o reumatologista, esse é o maior avanço da nova legislação. “O ganho principal é a validação. Por décadas, pacientes ouviram que sua dor era invenção. Agora, o Estado brasileiro diz oficialmente: esta é uma doença real e incapacitante. Isso combate o estigma e dá dignidade ao paciente”, reforça.
O especialista destaca, porém, que o enquadramento como pessoa com deficiência (PCD) não é automático. “Será necessária uma avaliação biopsicossocial, feita por equipe multiprofissional, que vai atestar o grau de limitação. A partir daí, o paciente poderá acessar direitos como cotas em concursos, isenções fiscais na compra de veículos e adaptações no ambiente de trabalho. É uma ferramenta poderosa de inclusão social e profissional”, explica.
Outro ponto central da lei é a ampliação do atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Até agora, a maioria dos pacientes dependia do setor privado, com custos altos. Emanuelle reconhece o privilégio de ter acesso à fisioterapia, pilates, psicoterapia e psiquiatria, mas sabe que essa não é a realidade da maioria. “O tratamento não é barato. Se o SUS conseguir oferecer fisioterapia, acompanhamento médico e psicológico, vai mudar a vida de milhares de pessoas. É a diferença entre ter qualidade de vida ou viver em sofrimento”, avalia.
O reumatologista reforça a importância dessa inclusão. “O atendimento especializado no SUS, com reumatologistas e equipes multidisciplinares, vai encurtar a jornada do paciente, evitar anos de espera por diagnóstico e permitir o início precoce do tratamento. É algo inédito e um avanço”. Para Emanuelle, cada pequeno progresso já é uma vitória. “Levantar da cama, escovar os dentes, tomar um banho em dias de dor intensa… tudo isso é uma conquista. A lei não cura, mas nos dá força para continuar, porque nos mostra que, finalmente, estamos sendo vistos”, resume.
Franco conclui: “o reconhecimento oficial não apenas garante políticas públicas, mas educa a sociedade. A fibromialgia não é preguiça nem frescura. É uma condição séria, que merece empatia, cuidado e respeito”.
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